terça-feira, 9 de novembro de 2010

GÊNERO: FÁBULA

Fábulas : Verso e Prosa





Podemos encontrar a fábula definida como uma narrativa concisa, escrita em prosa ou em verso, que predominantemente apresenta animais como personagens podendo também ter outros seres, objetos inanimados ou homens em seu enredo, marcada pela presença implícita ou explícita de uma moral, um ensinamento ou uma crítica.

Na história da fábula, no ocidente, Esopo (século VI a.C) teria sido o maior divulgador do estilo panfleto político, instrumento de publicidade das normas sociais (do certo e do errado, do adequado e do inadequado na vida em sociedade).

Um olhar mais estético sobre o gênero começou com a inovação introduzida por Fedro e radicalizada por La Fontaine que resgataram as fábulas de Esopo recriando-as em versos. Esta modificação exigiu a incorporação de elementos da poética aproximando a fábula da arte literária.

Este novo caminho da fábula provocou mudanças em sua forma composicional (de narrativa em prosa para narrativa em verso) alterou, necessariamente, o modo de dizer (o estilo – os recursos expressivos utilizados) que, por sua vez, também provocou alterações em seu conteúdo temático (o que se pode dizer em uma fábula). Para os defensores da finalidade essencialmente didática da fábula, esta modificação teria alterado a sua alma, descaracterizando o seu conteúdo em detrimento da forma.

Ou seja, inovar na forma, teria provocado um deslocamento da atenção, da valorização do conteúdo (didático, moralizante) para a valorização dos procedimentos artísticos na apresentação deste conteúdo: passou-se a investir mais na descrição das personagens e da própria situação (uso de palavras que qualificam e, portanto, apresentam apreciações de valor); a moral passou a ser entendida como parte constitutiva da fábula, tornando-se mais um recurso expressivo na produção do sentido desejado (humor, crítica, ironia...).

A valorização dos procedimentos artísticos acrescentou um valor estético ao conteúdo didático e revestiu a fábula de uma dupla finalidade: divulgar um ensinamento moral ou uma crítica e ser apreciada como um objeto estético.

Atualmente, podemos perceber o uso de recursos expressivos da poesia nas novas versões das fábulas em prosa de Esopo e nas traduções ou adaptações das fábulas de La Fontaine (de versos para prosa).

Passam a constituir estas novas versões recursos como:

  • A rima (mesmo em prosa);

  •  O uso de comparações e metáforas na descrição das personagens;
 
  • O uso de paradoxos, antíteses ou inversões de valores na construção da ironia ou do humor, geralmente presente na construção de uma nova versão da moral que propõe novos valores, considerando o contexto sócio-histórico atual.

Veja a baixo a  Fábula: A raposa e a cegonha em verso e em prosa



A RAPOSA E A CEGONHA

(Verso)

Um dia a raposa convidou a cegonha para jantar. Querendo pregar uma peça na outra, serviu sopa num prato raso. Claro que a raposa tomou toda a sua sopa sem o menor problema, mas a pobre da cegonha com seu bico comprido mal pôde tomar uma gota. O resultado foi que a cegonha voltou para casa morrendo de fome. A raposa fingiu que estava preocupada, perguntou se a sopa não estava do gosto da cegonha, mas a cegonha não disse nada. Quando foi embora, agradeceu muito a gentileza da raposa e disse que fazia questão de retribuir o jantar no dia seguinte.
Assim que chegou, a raposa se sentou lambendo os beiços de fome, curiosa para ver as delícias que a outra ia servir. O jantar veio para a mesa numa jarra alta, de gargalo estreito, onde a cegonha podia beber sem o menor problema. A raposa, amoladíssima, só teve uma saída: lamber as gotinhas de sopa que escorriam pelo lado de fora da jarra. Ela aprendeu muito bem a lição. Enquanto ia andando para casa, faminta, pensava: “Não posso reclamar da cegonha. Ela me tratou mal, mas fui grosseira com ela primeiro”.
Moral: Trate os outros tal como deseja ser tratado.


(in: Fábulas de Esopo. Companhia das Letrinhas. 1990, p. 36. Trad. Heloisa Jahn)
 
 
 
 
A Raposa e a Cegonha 
              (Prosa)                
                                
A Comadre Raposa, apesar de mesquinha

tinha lá seus momentos de delicadeza.

Num dos tais, convidou a cegonha, vizinha,

a partilhar da sua mesa.

Constava a refeição de um caldo muito ralo,

servido em prato raso. Não pôde prová-lo

a cegonha, por causa do bico comprido.

A raposa, em segundos, havia lambido

todo o caldo. Querendo desforrar-se

da raposa, a comadre um dia a convidou

para um jantar. Ela aceitou

com deleite do qual não fez disfarce.

Na hora marcada, chegou à casa da anfitriã.
 Esta, com caprichoso afã,

pedindo desculpas pelo transtorno,

solicitou ajuda pra tirar do forno

a carne, cujo cheiro enchia o ar.

A raposa, gulosa, espiou o cozido:

era carne moída – e a fome a apertar!

Eis que a cegonha vira, num vaso comprido

de gargalo fino à beça,

todo o conteúdo da travessa!

O bico de uma entrava facilmente,

mas o focinho da outra era bem diferente;

assim, rabo entre as pernas, a correr,

foi-se a raposa. Espertalhão, atente:
quem hoje planta, amanhã vai colher!


(in: Fábulas de La Fontaine. Villa Rica Editoras Reunidas Limitada. 1992, vol. I, pp. 117-8.



Trad. Milton Amado e Eugênio Amado)




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